Big Techs, DeepSeek e autonomia: Estamos vivendo o Tecnofeudalismo?

Conversando neste fim de semana sobre modelos econômicos com meu companheiro, chegamos a um impasse. Estou lendo Tecnofeudalismo, de Yanis Varoufakis, e acredito que este é o modelo para onde estamos caminhando. Entretanto, ele me apresentou o termo capitalismo de plataforma, que apresenta muitas similaridades, ambos os modelos parecem convergir para um mesmo ponto: o domínio das Big Techs sobre a economia global. Mas, afinal, quais são as diferenças entre esses conceitos? E por que elas importam tanto?

Essa reflexão ganha relevância quando pensamos no papel das Big Techs na configuração da economia global. Empresas como Amazon, Google e Meta não apenas dominam mercados, mas também atuam como árbitros das nossas interações digitais, frequentemente sem supervisão regulatória significativa. Sob esse prisma, o capitalismo de plataforma pode ser visto como o estágio inicial de um sistema onde essas empresas assumem controle total, eliminando os mercados como os conhecemos – uma das marcas do tecnofeudalismo descrito por Varoufakis.

Entretanto, precisamos dar um passo para traz e conceituar os termos antes de avançarmos. O capitalismo de plataforma é um modelo econômico baseado em plataformas digitais que conectam usuários e produtores, extraindo valor das interações e dos dados gerados. Empresas como Uber, Airbnb e Amazon operam nesse sistema, intermediando transações e concentrando poder em suas mãos. No entanto, o que diferencia essas empresas é que elas não apenas exploram o trabalho tradicional, mas também operam em uma lógica de predação: capturam valor criado por outros, como pequenos produtores e usuários, sem necessariamente contribuir para a produção real. Já o tecnofeudalismo vai além: é um sistema em que as Big Techs assumem o papel de ‘senhores feudais digitais’, controlando não apenas as transações, mas também a infraestrutura, os dados e os algoritmos que regem a vida digital. Nesse modelo, a produção de riqueza é substituída pela extração de valor, consolidando uma economia baseada na dependência e na rentabilidade predatória.

O impacto já é evidente.

As Big Techs exercem um poder sem precedentes na esfera política e econômica, controlando a disseminação de informações e até mesmo silenciando vozes. Isso reforça que o controle de dados e plataformas digitais não é apenas econômico, mas também político, consolidando a ideia de que estamos avançando para um sistema de dependência quase feudal, onde poucos controlam muito. Esses gigantes operam em uma lógica de predação, capturando valor criado por outros e consolidando uma economia baseada na extração de dados e na dependência dos usuários.

Quanto mais avanço no livro de Varoufakis, mais entendo por que essas diferenças importam. O capitalismo de plataforma, com suas promessas de dinamismo e competição, ainda permite alguma autonomia para indivíduos e empresas. Já o tecnofeudalismo aponta para um futuro de controle centralizado e relações de poder assimétricas, onde os mercados são substituídos por redes monopolizadas, e nossa autonomia é cada vez mais limitada.

Comparativo entre Tecnofeudalismo, Capitalismo de Plataforma e Capitalismo Tradicional.

Entender tais conceitos é crucial para questionarmos até que ponto estamos dispostos a aceitar esse novo modelo – e quais os custos sociais e políticos que ele nos trará.

DeepSeek: uma nova esperança ou mais do mesmo?

Em meio a essas transformações, surgem novos players como a DeepSeek, que desafiam o status quo com propostas de democratização tecnológica. No último fim de semana, a startup chinesa desafiou gigantes como OpenAI e Google ao disponibilizar modelos de inteligência artificial acessíveis e eficientes. A iniciativa promete democratizar o acesso à IA e revolucionar o mercado, especialmente ao oferecer tecnologia de ponta a custos reduzidos. Além disso, os modelos da DeepSeek demonstraram melhor desempenho com maior economia de recursos.

Mas será que a DeepSeek é uma exceção ou apenas uma nova face da mesma lógica centralizadora?

Embora a democratização tecnológica pareça um avanço positivo, ela também traz riscos. A disponibilização gratuita ou a baixo custo de tecnologias avançadas pode, sim, impulsionar a inovação, mas também reforça o poder das grandes plataformas que controlam o acesso a esses recursos. Por exemplo, se uma empresa como a DeepSeek oferece IA gratuita, mas depende de uma infraestrutura controlada por gigantes como Amazon Web Services (AWS) ou Google Cloud, ela acaba fortalecendo o domínio dessas plataformas sobre o ecossistema tecnológico.

Não me entendam mal: reduzir custos em modelos avançados é um feito incrível. No entanto, isso pode esmagar competidores menores, consolidando ainda mais o domínio das gigantes no mercado. Em um cenário onde poucas empresas controlam a infraestrutura e os dados, a democratização pode acabar servindo mais aos interesses dos ‘senhores digitais’ do que aos dos ‘servos’.

No tecnofeudalismo, as Big Techs atuam como “senhores feudais” que controlam os “servos digitais” (usuários, empresas e até governos) por meio de suas plataformas e infraestruturas. A democratização tecnológica, nesse contexto, pode ser vista como uma forma de ampliar o controle desses “senhores”, já que eles continuam a deter o poder sobre os recursos essenciais (como infraestrutura de nuvem, dados e algoritmos).

Tecnologia, poder e autonomia: Para onde caminhamos?

Nada aqui é preto no branco. A DeepSeek não apenas cria avanços tecnológicos, mas também redefine a geopolítica, trazendo consequências que vão muito além da economia. Essas mudanças levantam questões cruciais sobre liberdade e autonomia: estamos realmente no controle da tecnologia, ou ela nos controla? Como resistir ao crescente domínio das “plataformas-senhores” que transformam todos nós em “servos digitais”? Será possível equilibrar o avanço tecnológico com sustentabilidade econômica e justiça social?

Para evitar a consolidação do tecnofeudalismo, é essencial que sejam adotadas medidas concretas. Alguns exemplos práticos que podemos elencar é:

  • Regulamentar as plataformas digitais, responsabilizando-as pelos efeitos de seus algoritmos, como discriminação, vícios e consumismo exacerbado.
  • Dados gerados pelos usuários devem ser tratados como um bem comum, disponíveis para serviços públicos e iniciativas que beneficiem a sociedade como um todo, e não apenas as Big Techs.
  • Realização de auditorias públicas para avaliar o impacto dos algoritmos e garantir transparência no uso de dados.

Além desses pontos elencados, é necessário fortalecer a concorrência e a inovação, evitando que poucas empresas monopolizem a infraestrutura digital. A história da DeepSeek nos mostra que avanços tecnológicos sempre vêm acompanhados de desafios éticos e sociais. Se não estivermos atentos, podemos acabar trocando um sistema opressor (o capitalismo) por outro (o tecnofeudalismo), sem perceber. Como bem reforça Varoufakis, a tecnologia pode ser um instrumento de poder ou liberdade. O futuro será definido pelas escolhas que fizermos agora – estamos prontos para assumir essa responsabilidade?

Referências

VAROUFAKIS, Yanis. Technofeudalism: What Killed Capitalism. Edição Inglês. [S.l.]: [s.n.], [ano]. eBook Kindle.

Somos humildes siervos de los señores de la nube: bienvenidos al tecnofeudalismo. El País, 11 fev. 2024. Disponível em: https://elpais.com/ideas/2024-02-11/somos-humildes-siervos-de-los-senores-de-la-nube-bienvenidos-al-tecnofeudalismo.html.

Caminhos para combater o tecnofeudalismo. Conversación sobre Historia, 1 ago. 2024. Disponível em: https://conversacionsobrehistoria.info/2024/08/01/del-capitalismo-al-tecnofeudalismo-disensiones-con-varoufakis/.

¿Del capitalismo al tecnofeudalismo? Disensiones con Varoufakis. Conversación sobre Historia, 1 ago. 2024. Disponível em: https://conversacionsobrehistoria.info/2024/08/01/del-capitalismo-al-tecnofeudalismo-disensiones-con-varoufakis/.

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